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Respire Nascentes, pulsar sutil da arte contemporânea - Cássia Navas

Foto João Arciere
Respire NASCENTES, pulsar sutil da arte
contemporânea
Cássia Navas
Cássia Navas
No ano em que comemora 25 anos, a Companhia Alaya,
estreia NASCENTES. Interessante nome de obra a apontar para nascimento, no
momento em que o grupo tem muito caminho andado, a partir do trabalho de sua
coreógrafa Lenora Lobo, nesta obra ladeada por dois de seus colaboradores: Aída
Cruz e Alexandre Nascimento.
No Alaya, para se dançar as nascentes e os rios da
criação, os pontos de partida sempre foram os mestres da dança de Lobo - Rudolf
Laban, Klauss Vianna e mestres-brincantes das danças do Brasil-, mas também a
dança de cada intérprete, em investigação onde suas origens - terra natal,
bagagem corporal e experiência cênica- são trazidos ao palco pelo que cada
corpo carrega.
Em 2015, Lobo novamente explora estas "nascentes",
que subjazem a sua trajetória e às trajetórias de bailarinos que a acompanham
na estruturação, em permanência, de um método original, trabalhado em dois
livros e em DVD já lançados- o "teatro
do movimento, um método para o intérprete-criador".
Nesta estreia, em pesquisa esmiuçada, a busca de
"nascentes" foi elaborada com um sentido- o mergulho nas fontes da criação,
misterioso ponto de origem de toda a arte. Mistérios que podemos entrever na
sutileza desta coreografia, que se
apresenta como capítulos dum livro sem palavras, em páginas que se movimentam a
partir de sínteses do que a dança pode contar - por cada um e entre todos- em
figurinos e iluminação essenciais.
Ilustrando estas páginas, temos os
preciosos elementos de cena que remetem ao espiralar da vida e da pesquisa de
um "teatro do movimento". São como corpos cênicos a acompanhar os intérpretes
de outros "corpos da arte", como os da música. De grande qualidade cênica ela
se integra à obra, sem apresentar um protagonismo em si. É quase uma
música-dança, posto ter sido composta por um compositor imbricado em
procedimentos do dançar - João de Bruçó-, com quem Lobo estabelece um trabalho
de transdisciplinariedade.
A
coreografia se configura por delicadezas que revelam temas já tratados pela
Alaya- como questões da dança nossa - local e regional. Trabalhadas por um
pensamento, de fato, contemporâneo, por apresentarem invenção, decomposição e
síntese, nos trazem a escrita autoral de Lenora Lobo.
Esta
escritura não é somente pele que recobre o trabalho de todos - intérpretes e
músicos- mas também uma musculatura coreográfica que pulsa sob esta pele, rede
criativa a envolver, em movimento, as cenas da obra.
Num mar de
espetáculos onde a verborragia de movimentos e de ações - muitas vezes somente desarticuladas pelo
desejo de ser atual, NASCENTES é um
momento de respiração, uma parada que inspira o debate sobre as origens da arte
contemporânea e o seu futuro.
Tempo de maturidade
de uma criadora e duma companhia de dança que toma e retorna as suas nascentes.
Imperdível!
Cássia Navas
Pesquisadora-professora do Instituto de Artes,
UNICAMP, é escritora e ensaísta.
Autor / Fonte:Lenora Lobo